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Música enquanto instrumento de protesto


No séc XVII um grande número de negros proveniente da costa Africana, foi levado para América do norte e usado como mão de obra escrava em plantações de tabaco, milho e algodão. Arrancados da sua terra viram-se obrigados a adaptarem-se a uma nova cultura, incorporando elementos da sua cultura de origem.

Esses homens e mulheres escravizados, humilhados pelos patrões e ignorados pela sociedade não encontravam conforto a não ser entre outros que partilhavam a mesma condição. Neste contexto, a música era utilizada como resposta a brutalidade dos seus opressores e passaporte para a liberdade, tornando-se também num meio de manter presente a sua herança africana.

As cantigas dos escravos continham reivindicações camufladas em versos bíblicos, que aos olhos dos patrões era a sua conversão ao cristianismo. Na análise de alguns cânticos, a luz do artigo “African-American Music as Relellion: From Slavesong to Hip Hop” de Megan Sullivan, é possível identificar que as referências á libertação da nação israelita do Egipto tem um duplo sentido: os escravos israelitas assumem o papel dos negros e os faraós são uma metáfora aos senhores.

“Go down, Moses./ Way down in Egypt land /Tell ol’ Pharoah /To let my people go!/ Thus spoke the Lord, bold Moses said, /Let my people go./ If not I’ll smite your firstborn dead./ Let my people go” (Sullivan, 2001)

Outros cânticos continham mensagens que criticavam atos de humilhação e relatos de violência por parte dos seus donos.

Neste contexto a música “evoca um sentimento de unidade entre os oprimidos, que se identificam com a dor relatada na letra, criando uma sensação de experiência comum , que ninguém está sozinho na sua humilhação” (Sullivan, 2001).

O protesto musical teve um papel fundamental na luta dos afro-americanos durante a sua história, que em diferentes contextos criaram um legado para as gerações futuras. Enquanto reação a “pressão” da maioria dominante, o protesto musical evolui acompanhando as mudanças do tempo e das batalhas.

O gospel surgiu em meados do séc XX num contexto religioso. Assemelha-se as cantigas de escravos, pela origem bíblicas das suas letras.

Durante as” lutas” dos Movimentos dos direitos civis as igrejas eram usadas como ponto de encontro e os próprios lideres religiosos (pastores) eram apoiantes convictos de movimentos pacíficos de defesa dos direitos dos negros.

Os Blues, apesar das influências europeias, é essencialmente um representante da cultura afro-americana. “Os Bluesman e Blueswomen tornaram-se porta-vozes da comunidade sobre questões politicas e sociais” (Sullivan, 2001).

Já nos finais da década de 70 nasce um novo estilo musical, o Hip Hop trazendo consigo outros subgêneros que reforçam a luta contra a segregação racial, como por exemplo o GangstaRap. Este gênero musical proveniente de zonas problemáticas de Los Angeles e Compton, dão voz a jovens artistas como os N.W.A, Tupac e Notorious B.I.G.

Este gênero musical relata a “verdade dura e crua” da vida nos bairros problemáticos de L.A onde a precariedade empurra jovens para o crime, situações expressas na musica “Juicy” do Rapper Notorious B.I.G e em “Why we thug” de Ice Cube.

Em 1986 um grupo de Rappers (Eazy-E ,Ice Cube, Dr.Dre, MC Ren, DJ Yella, Arabian Prince e The D.O.C) formaram o grupo N.W.A ( niggas with atitude). Este grupo teve um grande impacto na opinião publica devido a letra das suas musicas “ Boy in the hood” e “ Fuck the police”, que expressão a revolta contra a violência policial nos ditos guetos, dos vícios da droga e das guerras das gangues. Conseguiram unir duas das gangues mais perigosas da história dos E.U.A ( Crips e Bloods) contra a violência policial.

Apesar de adorados pelos publico, o grupo não teve o apoio nenhum dos mídia nem da MTV, e a musica “ Fuck the police” gerou uma carta de advertência do FBI.

Em suma, ao longo dos séculos diferentes gêneros musicais deram voz a esta minoria, devido as suas capacidades em transmitir mensagens de critica a sua exclusão e evocar um sentido de união.

Definição de Música Pop

“Oriundo do Latim, populare, o termo “popular” significa algo “que se relaciona com o povo, que convém ao povo, feito para o povo; amado pelo povo, agradável ao povo; devotado ao povo”. (Machado, 1995: 401)

A musica pop é um gênero musical essencialmente comercial que agrada à maioria das camadas populacionais de uma determinada cultura. Trata-se de “ um gênero criado para as massas que facilite a identificação e sentido de grupo por parte da maioria dos indivíduos” (Moore, 2003)

Desta forma a musica pop é um gênero musical sem a complexidade de uma sinfonia clássica, com letra fácil de memorizar. Apesar de ser essencialmente comercial e popular (Simon Frith, 2007), não significa necessariamente que é “simples” ou “leviana”. A musica popular pode muitas vezes ser desvalorizada quando comparada com outros gêneros, mas ela também é complexa na medida que dela pode-se extrair um “esqueleto” da sociedade e do contexto em que foi produzida.

Segundo o dicionário musical Groove Music Online, a definição de “Música Pop” é:

“A term applied to a particular group of popular music styles. Originating mostly

in the USA and Britain, from the 1950s on, these styles have subsequently spread

to most parts of the world. In Western countries and in many others too, they

became the predominant popular music styles of the second half of the 20th

Century. Closely connected with the development of new media and music

Technologies, and with the growth of large-scale recording and broadcasting

Industries, mostly based in the West, pop music has generally been associated

with young people. However, audiences have tended to broaden in the later part of

the period.” (Middleton, 2007)

Ainda relativamente ao termo Popular Music, Beard e Gloag,(2005) afirmam:

" A música popular é um termo que descreve a música que atinge uma sensação de popularidade ou se esforça para ser popular. Ele é frequentemente usado de forma intercambiável com a sua abreviatura 'pop' e o termo associado 'rock' . ( ... ) Cada cultura específica ( nação, região) pode ser visto para gerar a sua própria música popular , de alguma forma ou de outra , mas o termo tornou-se . sinônimo de música americana e anglo-americano " ( Barba e Gloag , 2005: 134)

A música Pop está interligada a música popular enquanto expressão musical que inclui valores e ideais de um público pouco literato na área, sendo por isso mais acessível e aceitável para um vasto número de ouvintes. Criada essencialmente com o intuito de ser comercializada,” a música Pop pretende-se de fácil audição e apreensão, atrativa como qualquer outro bem de consumo” (Adorno, 2001).

Dado as suas características é um gênero musical bastante abrangente que engloba todas as correntes de música comercial das últimas décadas, desde o Rhythm & Blues, ao Rock N’Roll, passando pelo Rock, o Rap ou mesmo a House Music.

Os termos Musica Pop ou Musica popular são constantemente usados como sinônimos. No entanto não se trata de música popular no sentido de música tradicional, ou Folk Music , inserida num determinado contexto geográfico restrito, mas de música popular enquanto gênero musical com características simples, acessível a todos, facilmente compreendida e consumida por uma grande camadas da população pertencente a um determinado continente ou continentes.

Análise das atuações de Beyoncé e Kendrick Lamar em fevereiro de 2016

Conhecidos também por uma aspereza nas relações raciais, os Estados Unidos, ao longo de sua história, vêm se deparando com inúmeros manifestos sociais pela luta contra o racismo, sobretudo no sul do país. Uma trajetória que tem suas raízes na segunda metade do século XIX, com a Guerra Civil Americana e a abolição da escravidão, e que é percorrida até a atualidade.

De um modo genérico, o movimento negro ganhou força e conquistou grandes avanços a partir da década de 1960, em busca de direitos políticos, sociais e econômicos, apesar de pontuais reivindicações em décadas anteriores. A cultura, a educação e a religião foram, e continuam sendo, importantes ferramentas de mobilização para a formação de grupos e ideias e o engajamento de organizações sociais no combate a descriminação racial construída nos EUA por um sistema de segregação legislativo e informal. (Andrews, 1985)

No decorrer da história é possível destacar pessoas e episódios singulares que caracterizam essa conflito, reafirmando sua missão e objectivo. Rosa Parks, Martin Luther King Jr e Malcom X, são apenas alguns dos principais nomes de líderes políticos nesta revolução.

Se inspirando em seus antepassados africanos, os negros americanos adotaram hábitos, ritmos e ideologias aos seus novos modos de vida numa tentativa de afirmação indenitária. A arte foi intensamente influenciada, e por isso, um dos meios pelos quais os jovens daquela época, sobretudo, expressavam seu poder. Considera-se o surgimento da cultura Hip Hop, no final da década de 1970, como um grande exemplo de resistência e afirmação da comunidade negra, digna de todos os direitos iguais.

A música é uma via muito eficiente em termos de conscientização social, principalmente vindo de grandes e influentes profissionais. Independente do período histórico, a mensagem é passada e fixada para que as gerações futuras se inspirem.

Em 1939, por exemplo, Billie Holiday Interpretou pela primeira, vez ao palco do Cafe Society, o primeiro clube racialmente misto Nova York, “Strange Fruit”, letra de Abel Meeropol que criticava nitidamente a violência e os linchamentos aos negros no sul dos Estados Unidos onde eles eram as tais ‘frutas estranhas’, o que causou desconforto em sua plateia a princípio, mas o silencio logo foi substituído por aplausos e a canção foi considerada como um dos primeiros gritos em prol da luta contra a segregação racial. Já Nina Simone, além de um ícone no cenário musical norte americana, também tinha sua face ativista muito bem reconhecida, uma vez que o crescimento do seu sucesso acompanhava o crescimento dos conflitos raciais do país. Durante sua vida política na reivindicação por direitos civis e igualdade racial, Nina deu voz à três importantes composições que viraram hinos do movimento negro: “Mississippi Goddam” (1963), como uma resposta ao assassinato de Medgar Evers no Mississippi e o bombardeio de uma igreja em Birmingham, Alabama, matando quatro crianças negras, “Why? (The King Of Love Is Dead)” (1968), pelo assassinato de Martin Luther King Jr, e “To Be Young, Gifted and Black”, em memória de sua amiga, também ativista, Lorraine Hansberry, a primeira mulher negra a escrever uma peça representada na Broadway. James Brown também contribuiu para a afirmação da cultura afro-americana, dentre suas inúmeras obras, “Say it Loud - I’m Black and I’m Proud” (1968) é um marco dentro do movimento Black Power.

Contudo, esses episódios não se restringem apenas ao século passado, esta temática ainda muito problematizada nos dias de hoje. Recentemente duas atuações de grandes estrelas da música afro-americana causaram fortes repercussões nas redes mediáticas.

No domingo, 7 de fevereiro de 2016, na 50º edição de um dos maiores eventos desportivos e televisivos dos Estados Unidos, o Super Bowl, a cantora pop Beyoncé realizou uma performance simbólica do seu mais novo single, “Formation”, que claramente discursa sobre o orgulho em ser afro-americano, a violência policial contra os negros e defende as causas do combate ao racismo. O lançamento do vídeo clipe, um dia antes, já tinha causado certo tumulto, mas o efeito de sua atuação no intervalo do evento foi o suficiente para estremecer as estruturas conservadoras estadunidenses e gerar, simultaneamente, críticas e elogios, êxtase e revolta, justamente no Mês da História Negra. A cantora veio acompanhada por um exército de bailarinas negras distribuídas numa formação espacial em X, como referência a Malcom X, e com figurinos que faziam alusão aos Panteras Negras, grupo que lutava pelos direitos da população afro-americana e que este ano comemoram-se cinquenta anos de sua fundação. Houve quem encarasse o espetáculo como uma politização indevida de um momento de lazer familiar, ou ainda como um ataque aos oficiais da polícia norte-americana, contudo, grande parte do público compreendeu a importância social da apresentação, onde a própria filha de Malcom X, Ilyasah Shabazz, declarou ao WebSite NY Daily News que Beyoncé estava entretendo, mas com um propósito.

O rapper norte-americano Kendrick Lamar também provocou grande agitação com a sua performance no Grammy Awards 2016, em 15 de fevereiro, quando entrou em cena acorrentado a outros negros, como se fossem presidiários, e desenvolveu o show sob a forte influencia cultural africana, finalizando com o nome da sua cidade natal, Compton, sobre a imagem do contorno do continente africano. Suas letras são um reflexo do seu engajamento em prol da das questões socio-racias vividas nos Estados Unidos hoje em dia e, com esse objectivo, marcou a noite de premiações apresentando um medley de três de suas músicas que expõem, com ironia, poesia e metáforas, os problemas e desafios que a comunidade afro-americana ainda enfrenta, como o preconceito, a violência, a desigualdade e a inferioridade, baseados no passado histórico dos EUA.

As reações nos media às atuações de Beyoncé e Kendrick foram diversas, contudo, o mais importante foi cumprir com o objectivo e a missão socio-cultural que esses artistas se predispõem a realizar, utilizando sua arte como instrumento político de mobilização e elucidando seu público sobre os problemas de desigualdade racial herdados desde a formação do seu país. O que fica claro nessas performances é o propósito de deixar uma mensagem de resistência, afirmação de identidade, luta por igualdade e pelo fim da violência contra os afro-americanos, tudo que eles queriam dizer era “stop shoting us ”.

O que são os Estudos Culturais?

Os Estudos culturais surgiram nos anos 50 e 60 na Inglaterra num projecto que tinha como objecto de estudo “ as práticas culturais quotidianas, no contexto do protagonismo dos media.”( Silva 2009)

Em 1869 Matthew Arnold na sua obra “ Culture and Anarchy” apresenta uma divisão da cultura em “refinada, medíocre e brutal”.

“ A cultura popular é sinônimo de mau gosto, superficialidade e declínio. São os cânones da literatura e das artes que devem salvar a humanidade.” (Sousa, 2004: 20)

O projecto começou no Center of Contemporary Cultural Studies (CCCS) em Birmingham como uma resposta intelectual às mudanças propostas por Walter Benjamim no ano de 1930, e também por Adorno e Horkheimer. Os Estudos Culturais surgem também dos “estudos de critica literária de Leavis-Strauss “ Mass Civilisation and Minority Culture “(1930), defendeno que a evolução do capitalismo industrial e suas expressões culturais têm um efeito nocivo sobre as culturas tradicionais.

Fortemente influenciados pela escola de Frankfurt são grandes críticos dos mídias. Questionam a cultura dominante e procura aproximar-se do seu “material de estudo: as minorias étnicas, os “donos da cultura pobre” e a classe operária.”

Os fundadores dos Estudos Culturais são: Richard Hoggart (“The Uses of Literacy”, 1957), Raymond Williams (“Culture and Society”, 1958) e Edward Thompson (“The Making of the English Working Class”, 1963). Em 1964 Stuart Hall, junta-se a esta corrente e em 1968 assume a direção do centro até 1979, período em que se verificou um grande crescimento do instituto. Estes teóricos são pioneiros no que diz respeito a valorização da cultura popular, cultura do operariado e cultura de massa, enquanto objecto de estudo.

Richard Hoggart destaca a cultura popular como objecto de investigação científica, realizando pesquisas próximas das classes operárias inglesas e analisou também os seus hábitos e estilos de vida . Thompson e Williams estudaram a cultura através de exemplos populares.

Os Estudos Culturais destacam-se das outras correntes na medida em que atribuem aos media um lugar fundamental nas mudanças sociais e culturais, defendem que a análise cultural deve incluir tanto a cultura idealista, clássica , intelectual e artística, como a cultura tradicional, tendo como material de análise registos oficiais, memórias e documentos produzidos pelo homem e a cultura de práticas banais do dia-a-dia.

Assim toda a representação cultural tem um valor seja ela proveniente da elite, minorias étnicas ou das zonas pobres. a relação entre a cultura, história e a sociedade, pois pretende-se que haja uma produção ativa e não passiva da cultura.

Deste ponto de vista, as atuações da cantora Beyoncé e do rapper Kendrick Lamar, são dois exemplos de contra reação de uma minoria.Elas podem não ser reconhecidos oficialmente pelo seu valor artístico, mas para a minoria que representam, são um modelo a seguir e essenciais na formação dos indivíduos que dela fazem parte.

Conclusão

Sob a perspectiva dos Estudos Culturais, numa tentativa de desconstruir a distinção entre alta e baixa cultura/arte, foram analisados dois acontecimentos da atualidade musical, nomeadamente o videoclipe da música “Formation” da cantora Beyoncé e sua atuação no Super Bowl 50 e a performance do rapper Kendrick Lamar no Grammy Awards 2016. Para melhor compreender a mensagem de protesto desses dois eventos, investigou-se referências históricas da construção da cultura musical afro-americana desde sua origem escravocrata até a emergência da cultura Pop.

No contexto norte americano, os protestos musicais surgem, discretamente, nos cânticos que deram voz às lamentações dos negros escravizados, inspirando assim gerações posteriores que em diferentes contextos históricos expressaram e lutaram contra convicções sociais que os marginalizam.

Dada a necessidade de continuar o debate sobre a discriminação racial na sociedade norte americana, esses dois artistas, através da mensagem crítica implícita em suas músicas, tornaram-se símbolos de resistência, admirados pelo público que os suporta.


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